quinta-feira, 15 de setembro de 2011

ABSTRATA


Odeio formas geométricas. É isso. Geometria é medida, angulada, calculada, exata. Assim como todo o resto da matemática. Odeio-a também. Gosto de coisas disformes, estranhas, diferentes. Normal para mim é tudo aquilo que seria rejeitado e desclassificado da qualidade que todo mundo consideraria normal.
Gosto de coisas abstratas. Tudo cujo padrão a ser seguido seja exatamente o de não seguir nenhum padrão.
Nem todas as coisas precisam ter uma explicação lógica, racional, tangível aos olhos e realidades de outras pessoas. Mesmo que nada pareça fazer sentido para outros, eu não me importo desde que faça sentido para mim. Quanto mais improvável, mais interessante, mais aberto a possibilidades e descobertas.
Aquilo que todo mundo já sabe e tem mil teorias de probabilidade na ponta da língua, não me interessa. Eu quero aquilo que está além, que eu sei, mas não me pergunte como. Eu apenas sei. E se algum dia todos souberem do que sei agora e encherem de explicações e racionalidades, ciências e lógicas, não tem problema. Parto em busca de uma nova estrela brilhante e improvável que só eu possa enxergar.
Por isso abomino rotina. Me entedio facilmente vivendo dias iguais. Sempre procuro algo diferente para fazer. Se vou à biblioteca toda semana, mudo o caminho. Troco constantemente as músicas do meu celular. Ando de bicicleta sem seguir a ordem correta dos caminhos da ciclovia. Amo fazer milhares de coisas, mas posso passar a odiá-las se elas se tornarem obrigações. Me irrito instantaneamente com gente que não pode dar um passo sem um mapa para seguir, um guia, a medição exata dos quilômetros do caminho, indicações de placas, pontos de referência, GPS, planejamento minucioso etc.
Aliás, odeio planejar, porque tudo o que eu planejo acaba saindo às avessas. Por isso me auto critico e trato de me corrigir imediatamente se percebo que estou começando a viver em cima de uma linha traçada.
Se eu estivesse caminhando em uma floresta e chegasse á uma bifurcação onde houvesse dois caminhos perfeitamente iguais em termos de flores, árvores, animais, etc., exceto por uma pequena diferença: um seria reto, milimetricamente medido, sem uma ponta fora do lugar e ou outro seria curvo, tortuoso, bagunçado por assim dizer; eu certamente escolheria o segundo, porque seu formato curvo, deixaria oculta boa parte do caminho, o que poderia me proporcionar muitas descobertas à frente. Tudo bem, pode ser que nem tudo que eu encontrasse fosse lindo e bom, mas isso faz parte da vida, não? E tem mais, não dizem que Deus escreve certo por linhas tortas? Então! Porque que eu vou ficar andando por ai em linha reta???
A vida não precisa ser geométrica, cientifica, provada, palpável: o tempo que se perde medindo, calculando, explicando, poderia ser mais bem gasto sentindo, acreditando e descobrindo. Se as pessoas tirassem os pés do chão só um pouquinho, veriam que não há nenhuma linha traçada debaixo deles...
Eu sou a Alice no País das Maravilhas eu quanto menos tempo perco procurando explicações, mais me fascino descobrindo coisas magníficas que os “certinhos que andam em linha reta” jamais pensaram que pudessem existir.

“Mas Alice já havia se habituado tanto a esperar que não acontecessem senão coisas estranhas que parecia bastante enfadonho e idiota que a vida continuasse à maneira comum...”

“Estava lurdo e os macos tavos
Lopavam e tucavam no vabo:
Todos savos estavam os borogravos
E os momos erevos extravabo.”

(Trechos de “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carroll)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

BONEQUINHA DE PORCELANA


-- O que se passa minha menina? Por que transparece novamente aquela tristeza em seu olhar? Por que seus sorrisos parecem tão apáticos, tão artificiais novamente? Por que não me deixa entrar, ditar as regras e tomas as rédeas da situação outra vez?
-- Por que tenho medo. – Responde a menina.
-- E por que deixou o medo te tomar outra vez?
-- Eu não sei. Eu realmente não sei.


Essa é a batalha que vem sendo travada dentro de mim. Duas vozes opostas, que discutem incessantemente dentro da minha cabeça, que reviram o meu coração e que me deixam extremamente confusa. Uma é a eu de antes. A outra é a eu de agora. Uma querendo ser mais do que a outra. E no meio disso tudo, eu me torno a eu que não sei quem sou.
Vivi a vida toda num mundo cor de rosa, sendo mimada e protegida, como uma princesa. Mas eu sempre fui mais que isso. Sempre quis mais que isso. Na pré escola, todas as meninas faziam balé. Eu odiava aquele collant rosa e tudo o que eu queria era estar na sala ao lado, com os meninos, lutando judô. Eu era a melhor amiga deles e me dava muito melhor com eles do que com elas. Não foi à toa que todos vieram me consolar quando, por não estar com a mínima vontade de seguir os movimentos ditados pela professora, ela me mandou pra sala pra ficar de castigo. Na dança de final de ano, podíamos escolher dois trajes: Portuguesa – que se resumia a um saiote comprido branco, colete vermelho e lenço verde na cabeça e a 2ª opção, que foi a que eu escolhi: Dançarina de Can Can – collant preto, saia volumosa preta com tule vermelho, meia arrastão e cinta-liga. Na festa junina me fizeram noiva e eu larguei meu noivo escolhido pelas professoras de lado, para dançar com o único caipirinha que me interessava. E tudo isso antes de ter 7 anos de idade.
Vocês podem pensar, nossa, que mimada. E eu pensaria a mesma coisa, se não me conhecesse. Prefiro classificar como liberdade de escolha. Eu não achava certo viver sob as imposições que jogavam em cima de mim. Eu era autêntica. Uma pequena aquariana livre.
Mas o tempo foi passando e as coisas foram mudando. E haja mudança. Na minha pré-adolescência a gente mudou de casa e assim, ao enfrentar uma escola nova, eu deixei de ser a líder amiga dos meninos e passei a conhecer sentimentos totalmente novos para mim: timidez, impotência, medo. Mas ainda tinha minhas “melhores notas da sala” pra me manter na segurança da liderança de alguma forma. Mas deixei de ser autêntica. Já não conseguia mais ser tão natural com os meninos e passei a me refugiar atrás das meninas, encontrando nelas, nova forma de proteção.
Aos 15 anos, mudamos de cidade e gritar, chorar e espernear não serviu para nada. Eis que me encontro numa cidadezinha de interior, onde não conhecia ninguém. Chorei todas as noites durante os primeiros três meses. E prometi que ia me fechar numa concha e nunca deixar ninguém entrar. Ao enfrentar a escola nova, silêncio. E assim foi por um bom tempo. Até alguém conseguir furar meu bloqueio e estraçalhar meu coração. E eu vi minhas notas despencarem e conheci um novo sentimento: DEPRESSÃO.
Foram 5 longos anos – dos 18 aos 23 – passados em branco. Exceto pelos momentos felizes que eu passava em São Paulo, não me lembro de nada de bom que tenha acontecido aqui, neste período. Foram noites e noites em que o travesseiro ficava encharcado pura e simplesmente pelas minhas lágrimas, que eu transformava em poesias que não deixava ninguém ler. E assim, eu ia sofrendo sozinha.
De repente veio a faculdade. Dei uma guinada de 360 graus na minha vida. Fui me reencontrando aos poucos e pensei que a partir dali, não me perderia nunca mais. Ledo engano. Eis-me aqui, perdida novamente. Quem disse que a idade adulta traz esclarecimento? Tô tão perdida como quando tinha 12, 15 ou 18 anos.
Há duas Julianas aqui dentro e as duas sou eu. Mas não dá pra viver sendo as duas porque as duas são extremamente opostas, diferentes demais e isso faz eu me sentir uma mentirosa duas caras. Sabe aquela famosa frase: ”Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”? Então, é bem por aí...
Vejo alguns velhos padrões sendo restaurados, como o fato de estar mais à vontade com os meninos novamente. São eles que vêm me escutando constantemente, muito mais do que as meninas – eu ando meio sem paciência com elas. Isso me deixa feliz de certa forma. Por outro lado, me vejo sonhando velhos sonhos, mesmo sabendo que já não há mais chance para eles. Me vejo com medo de agir, com medo de lutar, com uma necessidade extrema de aprovação que me limita, me prende e me impede de ser o que realmente sou. E tudo por quê? Porque me acostumei a viver com o rótulo de santinha, de menina exemplar, responsável, certinha.
Pois bem, eu tô de saco cheio de ser assim. Mas é muito mais fácil sorrir e fingir que tá tudo bem. É muito mais fácil atropelar as minhas vontades e obedecer às dos outros, já que uma santinha não tem vontade própria pra impor e nunca se oporia aos desejos de ninguém. Principalmente daqueles que a amam e só querem o seu bem. Vivi muito tempo vestindo essa fantasia de bonequinha de porcelana e não é tão fácil assim me livrar dela. Não digo que vou virar uma louca e sair por aí quebrando tudo, só não agüento mais passar tanto por cima de mim, me deixar em segundo plano, pra agradar aos outros ao invés de mim mesma.
Há pouco tempo atrás, consegui escapar e sair sem minha fantasia. E posso dizer que me senti tão bem, tão plena, como há muito tempo não me sentia. Mas a fantasia tem vida própria e correu trás de mim. Me fez vesti-la de novo. Me fez acreditar que não posso sair dela, porque as pessoas vão me julgar, vão ficar decepcionadas comigo outra vez. Uma bonequinha de porcelana tem uma imagem de perfeição a preservar e não pode simplesmente dizer ao mundo – ou pelo menos a certa parte dele - que tem desejos e que adorou a sensação de se deixar guiar por eles. Não pode admitir que ama, que sofre, que chora, que tem raiva de algumas coisas e pessoas, que sente ciúme, inveja, dor... Não! Uma boneca com tantas expressões negativas deixaria a estante feia, não é?
A gente precisa de muita coragem para admitir estar vivendo uma vida que não é a nossa, mas precisamos de muito, mas muito mais coragem pra vestir a fantasia de “si mesmo”. No momento, não possuo a coragem necessária pra me vestir de mim mesma outra vez. Restam alguns pedaços de porcelana que entranharam na pele e se recusam a sair. Mas nem por isso eu vou desistir. Puxarei e puxarei até que não reste vestígio. Assim, mostrarei de uma vez por todas que não sou uma bonequinha de porcelana e que descobri há tempos que o mundo não é cor de rosa do jeito que pintaram pra mim.
Quando finalmente eu conseguir me livrar desta fantasia incômoda de santinha perfeita, vou poder olhar no espelho, sorrir de maneira autêntica e ver que me reconheço outra vez.
Achei esta música no livro “O Poder da Gentileza” de Rosana Braga. Escolhi ela para encerrar o post, pois no momento em que a li, encontrei a descrição perfeita para o momento que estou passando. Então, nada melhor do que encerrar este post tão particular com ela.


A Lista (Oswaldo Montenegro)

... Faça uma lista dos sonhos que tinha,
quantos você desistiu de sonhar.
Quantos amores jurados para sempre,
quantos você conseguiu preservar.

Onde você ainda se reconhece,
na foto passada ou no espelho de agora?
Hoje é do jeito que achou que seria?
Quantos amigos você jogou fora?

... Quantas mentiras você condenava,
quantas você teve que cometer?
Quantos defeitos sanados com o tempo,
eram o melhor que havia em você?

Quantas canções que você não cantava,
Hoje assovia pra sobreviver.
Quantas pessoas que você amava,
hoje acredita que amam você? ...