sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Affonso



Atendendo a pedidos, publico agora "O Conto"; aquele que me deu o prêmio de ontem no Concurso Literário da Biblioteca Municipal de Mogi Mirim.
Com vocês: AFFONSO

Aquela podia ser uma tarde como outra qualquer, mas não era. Marina estava com o olhar distante. O corpo na sala, mas a cabeça a milhares de quilômetros de distância. O ano de 1990 ia chegando ao fim, e ela estava terminando o colegial. Logo ia vir a faculdade e ela teria que sair de casa, mudar da cidadezinha já tão conhecida... Quem sabe um novo lugar a ajudaria a apagar as lembranças? Difícil seria ficar longe de Felipe, que tinha sido sua companhia constante desde que Affonso se fora.
Affonso. Era nele que pensava sentada junto a janela. Os dois tinham sido vizinhos e melhores amigos, daqueles que passavam o dia todo na rua, dando trabalho às mães quando tentavam bota-los para dentro de casa. Viviam o tempo todo juntos, e mesmo na escola, onde tinham cada um sua turma, sempre sugeriam brincar de pega-pega para poderem misturar meninos e meninas e correrem um atrás do outro.
O tempo foi passando e as coisas foram mudando. As brincadeiras de antes foram deixando de ter graça. Já não voltavam da escola de mãos dadas como antes. Aliás, na maior parte do tempo evitavam se tocar. Sempre sobravam reticências naquelas que antes eram longas conversas entre os dois.
A oitava série chegou, trazendo o fechamento de um ciclo. Affonso se tornou um rapaz bonito e vivia rodeado de meninas na escola. Marina não pôde deixar de reparar neste fato e também no estranho incômodo que todas aquelas garotas em volta dele lhe causavam. Por que elas simplesmente não sumiam e devolviam seu melhor amigo? Era por culpa delas que ele estava estranho assim, só pode! Por que será que ela não conseguia parar de pensar nele nas horas mais inimagináveis? Mesmo assim, ela continuava dizendo a ele que estava tudo bem, que não havia nada de estranho entre eles. Que era impressão dele e que ela estava normal.
Um dia ele demorou demais na hora da saída. Como não aguentasse mais esperar, Marina voltou para dentro da escola para buscá-lo. Encontrou-o conversando com uma daquelas garotas. Uma fresca, com voz de gralha engasgada, jogando os cabelos para um lado, risinhos para o outro.
Sem saber como e nem porque, Marina foi de um impulso até ele e gritou o mais alto que pôde. Disse a ele que ficasse com sua nova amiga, pois ela estava indo embora sozinha.  Que nunca mais fosse atrás dela. Que a esquecesse. Que a partir daquele dia ela iria embora sem ele até que acabasse a escola. E correu. E chorou. E encostou na árvore da pracinha, velha conhecida das brincadeiras dos dois.
Ficou lá, sem saber por quanto tempo. Foi então que ele chegou e sem dizer uma palavra, estendeu a mão para ajudá-la a se levantar. Envolveu-a num abraço e depois afastou seus cabelos desgrenhados prendendo-os atrás das orelhas. Sem perder mais nenhum instante, a beijou. E foi assim que Marina entendeu tudo. Estava apaixonada. Vivendo seu primeiro amor.
Mas como todo amor eterno, o deles teve um fim. O pai de Affonso foi escolhido como representante internacional de sua empresa e eles teriam que mudar de país no final daquele mesmo ano.
Affonso se despediu com um beijo e uma promessa rabiscada em um papel: “Um dia eu volto para buscar você!”.
Nesse meio tempo cartas foram trocadas, mais promessas feitas, mas era distância demais; as coisas mudaram, a vida seguiu seu curso e Marina já não era mais aquela menina que acreditava em fantasias de um amor de infância. Até porque agora, tinha em Felipe seu novo amor. E esse não fazia promessas vazias.
A garota foi arrancada de seus devaneios pela campainha que tocava insistentemente. Felipe chegou à porta primeiro e se pôs a olhar desconfiado. Marina abriu a porta e se deparou com um buquê de rosas tão gigantesco que escondia o rosto do entregador. Este tinha na mão um pequeno envelope e ela, pensando se tratar de um grande mal entendido, logo pegou o papel para indicar a casa certa ao moço. Qual não foi sua surpresa ao ver seu nome no envelopinho. Marina então pegou o buquê, agradeceu o entregador e fechou a porta. “Isso só pode ser coisa do meu pai!” – pensou.
Delicadamente depositou as rosas em cima da mesinha e abriu o envelope. Apenas uma frase estampava o pequeno pedaço de papel, e essa simples frase foi suficiente para transformar suas pernas em gelatina: “Eu disse que voltava para te buscar!”.
Marina estacou. Gelou. Sentou no sofá. Levantou. Andou de um lado para o outro na sala. Olhou pela janela. Abriu a porta e saiu, sem saber para onde ia, com Felipe em seus calcanhares. Chegou naquele lugar e parou. Lá estava ele, debaixo daquela árvore, mais lindo do que um sonho. Esfregou os olhos. Ele continuava lá. Pensou em fugir. Pensou em correr. Não conseguiu sair do lugar. Seria mesmo possível?
Pé ante pé seguiu até a árvore. Com o coração disparado sentiu aquelas mesmas mãos arrumando seus cabelos bagunçados atrás das orelhas. Era ele! De verdade! Fechou os olhos para sentir novamente aquele beijo, pelo qual tanto esperou. Foram três anos que mais pareceram uma eternidade.
Ficaram ali, matando a saudade, até que Felipe, não suportando mais assistir calado, protestou. Os dois olharam para ele e riram.
Depois das devidas apresentações feitas, os três voltaram para casa. Um garoto, uma garota e um cachorrinho. Mil promessas de uma vida a ser vivida. Marina não se lembrava de ter sido mais feliz.