segunda-feira, 12 de setembro de 2011

BONEQUINHA DE PORCELANA


-- O que se passa minha menina? Por que transparece novamente aquela tristeza em seu olhar? Por que seus sorrisos parecem tão apáticos, tão artificiais novamente? Por que não me deixa entrar, ditar as regras e tomas as rédeas da situação outra vez?
-- Por que tenho medo. – Responde a menina.
-- E por que deixou o medo te tomar outra vez?
-- Eu não sei. Eu realmente não sei.


Essa é a batalha que vem sendo travada dentro de mim. Duas vozes opostas, que discutem incessantemente dentro da minha cabeça, que reviram o meu coração e que me deixam extremamente confusa. Uma é a eu de antes. A outra é a eu de agora. Uma querendo ser mais do que a outra. E no meio disso tudo, eu me torno a eu que não sei quem sou.
Vivi a vida toda num mundo cor de rosa, sendo mimada e protegida, como uma princesa. Mas eu sempre fui mais que isso. Sempre quis mais que isso. Na pré escola, todas as meninas faziam balé. Eu odiava aquele collant rosa e tudo o que eu queria era estar na sala ao lado, com os meninos, lutando judô. Eu era a melhor amiga deles e me dava muito melhor com eles do que com elas. Não foi à toa que todos vieram me consolar quando, por não estar com a mínima vontade de seguir os movimentos ditados pela professora, ela me mandou pra sala pra ficar de castigo. Na dança de final de ano, podíamos escolher dois trajes: Portuguesa – que se resumia a um saiote comprido branco, colete vermelho e lenço verde na cabeça e a 2ª opção, que foi a que eu escolhi: Dançarina de Can Can – collant preto, saia volumosa preta com tule vermelho, meia arrastão e cinta-liga. Na festa junina me fizeram noiva e eu larguei meu noivo escolhido pelas professoras de lado, para dançar com o único caipirinha que me interessava. E tudo isso antes de ter 7 anos de idade.
Vocês podem pensar, nossa, que mimada. E eu pensaria a mesma coisa, se não me conhecesse. Prefiro classificar como liberdade de escolha. Eu não achava certo viver sob as imposições que jogavam em cima de mim. Eu era autêntica. Uma pequena aquariana livre.
Mas o tempo foi passando e as coisas foram mudando. E haja mudança. Na minha pré-adolescência a gente mudou de casa e assim, ao enfrentar uma escola nova, eu deixei de ser a líder amiga dos meninos e passei a conhecer sentimentos totalmente novos para mim: timidez, impotência, medo. Mas ainda tinha minhas “melhores notas da sala” pra me manter na segurança da liderança de alguma forma. Mas deixei de ser autêntica. Já não conseguia mais ser tão natural com os meninos e passei a me refugiar atrás das meninas, encontrando nelas, nova forma de proteção.
Aos 15 anos, mudamos de cidade e gritar, chorar e espernear não serviu para nada. Eis que me encontro numa cidadezinha de interior, onde não conhecia ninguém. Chorei todas as noites durante os primeiros três meses. E prometi que ia me fechar numa concha e nunca deixar ninguém entrar. Ao enfrentar a escola nova, silêncio. E assim foi por um bom tempo. Até alguém conseguir furar meu bloqueio e estraçalhar meu coração. E eu vi minhas notas despencarem e conheci um novo sentimento: DEPRESSÃO.
Foram 5 longos anos – dos 18 aos 23 – passados em branco. Exceto pelos momentos felizes que eu passava em São Paulo, não me lembro de nada de bom que tenha acontecido aqui, neste período. Foram noites e noites em que o travesseiro ficava encharcado pura e simplesmente pelas minhas lágrimas, que eu transformava em poesias que não deixava ninguém ler. E assim, eu ia sofrendo sozinha.
De repente veio a faculdade. Dei uma guinada de 360 graus na minha vida. Fui me reencontrando aos poucos e pensei que a partir dali, não me perderia nunca mais. Ledo engano. Eis-me aqui, perdida novamente. Quem disse que a idade adulta traz esclarecimento? Tô tão perdida como quando tinha 12, 15 ou 18 anos.
Há duas Julianas aqui dentro e as duas sou eu. Mas não dá pra viver sendo as duas porque as duas são extremamente opostas, diferentes demais e isso faz eu me sentir uma mentirosa duas caras. Sabe aquela famosa frase: ”Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”? Então, é bem por aí...
Vejo alguns velhos padrões sendo restaurados, como o fato de estar mais à vontade com os meninos novamente. São eles que vêm me escutando constantemente, muito mais do que as meninas – eu ando meio sem paciência com elas. Isso me deixa feliz de certa forma. Por outro lado, me vejo sonhando velhos sonhos, mesmo sabendo que já não há mais chance para eles. Me vejo com medo de agir, com medo de lutar, com uma necessidade extrema de aprovação que me limita, me prende e me impede de ser o que realmente sou. E tudo por quê? Porque me acostumei a viver com o rótulo de santinha, de menina exemplar, responsável, certinha.
Pois bem, eu tô de saco cheio de ser assim. Mas é muito mais fácil sorrir e fingir que tá tudo bem. É muito mais fácil atropelar as minhas vontades e obedecer às dos outros, já que uma santinha não tem vontade própria pra impor e nunca se oporia aos desejos de ninguém. Principalmente daqueles que a amam e só querem o seu bem. Vivi muito tempo vestindo essa fantasia de bonequinha de porcelana e não é tão fácil assim me livrar dela. Não digo que vou virar uma louca e sair por aí quebrando tudo, só não agüento mais passar tanto por cima de mim, me deixar em segundo plano, pra agradar aos outros ao invés de mim mesma.
Há pouco tempo atrás, consegui escapar e sair sem minha fantasia. E posso dizer que me senti tão bem, tão plena, como há muito tempo não me sentia. Mas a fantasia tem vida própria e correu trás de mim. Me fez vesti-la de novo. Me fez acreditar que não posso sair dela, porque as pessoas vão me julgar, vão ficar decepcionadas comigo outra vez. Uma bonequinha de porcelana tem uma imagem de perfeição a preservar e não pode simplesmente dizer ao mundo – ou pelo menos a certa parte dele - que tem desejos e que adorou a sensação de se deixar guiar por eles. Não pode admitir que ama, que sofre, que chora, que tem raiva de algumas coisas e pessoas, que sente ciúme, inveja, dor... Não! Uma boneca com tantas expressões negativas deixaria a estante feia, não é?
A gente precisa de muita coragem para admitir estar vivendo uma vida que não é a nossa, mas precisamos de muito, mas muito mais coragem pra vestir a fantasia de “si mesmo”. No momento, não possuo a coragem necessária pra me vestir de mim mesma outra vez. Restam alguns pedaços de porcelana que entranharam na pele e se recusam a sair. Mas nem por isso eu vou desistir. Puxarei e puxarei até que não reste vestígio. Assim, mostrarei de uma vez por todas que não sou uma bonequinha de porcelana e que descobri há tempos que o mundo não é cor de rosa do jeito que pintaram pra mim.
Quando finalmente eu conseguir me livrar desta fantasia incômoda de santinha perfeita, vou poder olhar no espelho, sorrir de maneira autêntica e ver que me reconheço outra vez.
Achei esta música no livro “O Poder da Gentileza” de Rosana Braga. Escolhi ela para encerrar o post, pois no momento em que a li, encontrei a descrição perfeita para o momento que estou passando. Então, nada melhor do que encerrar este post tão particular com ela.


A Lista (Oswaldo Montenegro)

... Faça uma lista dos sonhos que tinha,
quantos você desistiu de sonhar.
Quantos amores jurados para sempre,
quantos você conseguiu preservar.

Onde você ainda se reconhece,
na foto passada ou no espelho de agora?
Hoje é do jeito que achou que seria?
Quantos amigos você jogou fora?

... Quantas mentiras você condenava,
quantas você teve que cometer?
Quantos defeitos sanados com o tempo,
eram o melhor que havia em você?

Quantas canções que você não cantava,
Hoje assovia pra sobreviver.
Quantas pessoas que você amava,
hoje acredita que amam você? ...

2 comentários:

  1. Oi, Ju!

    Eu entendo perfeitamente o seu desabafo, se é que me permite chamar assim, porque eu vivi isso profundamente há uns anos atrás e ainda vivo vez ou outra, em menor dosagem. O que eu acredito que seja a saída, o caminho mais correto, é sempre nos ouvir primeiro, e fazer das nossas decisões o nosso jeito e transparecer aquilo que somos. Se sou (ou estou) de um jeito em determinado momento, é o que vou transparecer. Pouco me importa se vou ser taxado, mas minha opinião é o que conta e é o que vou atender.
    Quanto ao fato de ir por caminhos errados, só posso dizer que é errando que se aprende. Erros diferentes!

    Você me disse que é muito difícil tirar as máscaras e se revelar, mas como você mesmo percebeu, chega um momento que (volto a bater na mesma tecla): ou ouvimos os apelos externos ou os internos. A decisão é sempre íntima, mas os custos e as consequências, também! ;)

    Boa sorte em suas escolhas, conte comigo independente de quais.
    Bejos
    Fique com Deus.

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  2. JONAS!!!!
    QUE BOM SABER MAIS UMA VEZ - COMO SE EU NÃO SOUBESSE SEMPRE - QUE POSSO CONTAR COM VOCÊ.
    DE NOVO ME ENCONTRO NUMA FASE PERDIDA E DE NOVO, TÁ DIFÍCIL DE ACHAR O CAMINHO DE VOLTA PRA MIM.
    MAS PELO MENOS SEI QUE NÃO VOU PERDER TOTALMENTE A DIREÇÃO POIS TENHO SEMPRE PESSOAS COMO VOCÊ DO MEU LADO IMPEDINDO ISTO DE ACONTECER.
    MUITO OBRIGADA DE NOVO E SEMPRE!!!
    BJSSS
    JU

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